Qual o melhor tratamento: calor ou frio? Pergunte para seu paciente!

Blue ice pack isolated on a white background.

A Fisioterapia Baseada em Evidências (FBE) pode ser é definida como um elo entre a boa pesquisa científica e a prática clínica. Como diz o Prof. Álvaro Atallah “é uma forma de reduzir as incertezas” que ocorrem na tomada de decisões clínicas (1).

Mas será que a FBE é só uma enciclopédia de ensaios clínicos e revisões sistemáticas com metanálise para servir de referência para escolher um tratamento? E onde entra “o protagonismo do paciente no processo”?

É preciso considerar a FBE dentro de um modelo transdisciplinar, que é caracterizado por ser um modelo cooperativo, com sua coordenação assegurada por referência a uma finalidade comum (a saúde integral da pessoa) e através de relações de poder horizontais(2). No modelo transdisciplinar todos os profissionais cooperam de forma harmônica e horizontal para promover a saúde da pessoa, e considera como parte fundamental do processo a participação da família, dos cuidadores e do próprio paciente na tomada de decisões.

Quando chegar o momento da tomada da decisão terapêutica, o paciente deve participar do processo, sob o risco da intervenção ter seu efeito minorado caso isso não aconteça, seja devido à baixa adesão ao tratamento ou até mesmo por fatores inconscientes (efeito placebo). A relevância da participação ativa do paciente na tomada de decisões clínicas não é somente uma conjectura, existem evidências científicas que suportam essa afirmação.

Um exemplo: Uma dúvida terapêutica que comumente acontece entre fisioterapeutas é optar entre a termoterapia por subtração (crioterapia) ou por adição de calor. Qual o melhor tratamento: calor ou frio? Óbvio que devemos considerar a doença/síndrome/enfermidade, estágio, contraindicações, porém poucos fisioterapeutas consideram o desejo do paciente na tomada de decisão.

Um ensaio clínico realizado pelo Laboratório de Movimento Humano e Fisioterapia, do Departamento de Cinesiologia da Universidade de Connecticut (EUA) avaliou a eficácia da termoterapia por adição de calor, da crioterapia e da terapia por contraste na melhora funcional e redução da dor em pacientes com osteoartrose do joelho, porém avaliou conjuntamente a preferência do paciente pela terapêutica e associou a eficácia do tratamento à preferência do paciente pela intervenção. O resultado foi interessante! (3).

Sobre a pesquisa: Trinta e seis indivíduos com Osteoartrose de joelho com classificação radiológica igual ou superior ao nível II de Kellgren-Lawrence (nível II – Osteófitos definitivos, estreitamento ausente ou questionável do espaço articular; nível III – Osteófitos moderados, estreitamento definitivo, alguma esclerose, possível deformidade articular; nível IV – Osteófitos de grandes dimensões, estreitamento marcado, esclerose grave, deformidade articular estabelecida), foram recrutados para participar de um ensaio clínico randomizado e cego do tipo crossover (condição onde os sujeitos da pesquisa recebem todos os tratamento e ele serve como seu próprio controle) da Universidade de Connecticut – EUA. Completaram o estudo 34 indivíduos (2 dropouts [desistentes ou impedidos por forças alheias a sua vontade] não relacionados às consequências do tratamento ou do estudo) com idade de 62±14 anos.

Cada participante recebeu como tratamento a crioterapia, termoterapia por adição de calor e terapia de contraste através de um sistema de circulação de água, calor superficial com uma almofada de aquecimento elétrico e “terapia controle” (repouso sem tratamento com termoterapia). A frequência de cada tratamento foi de 2 vezes por dia durante 5 dias ininterruptos, seguido por um período de 2 dias de washout (“lavagem” do tratamento anterior para iniciar um novo protocolo, ou seja período sem tratamento). O tempo de intervenção foi de 20 minutos, exceto a terapia de contraste que durou 22 minutos (4 minutos de calor e 2 de frio alternadamente). Durante a semana de “terapia controle” do estudo, os participantes sentaram-se silenciosamente durante 20 minutos por dia.

Os indivíduos foram avaliados através de um questionário específico para osteoartrose e que avalia dor, sintomas, atividades de vida diária, atividades recreativas e qualidade de vida (KOOS questionnaire) e a escala visual analógica de dor (0-10) no início do estudo, antes e após qualquer aplicação de tratamento (no 5º e 7º dia de cada semana de tratamento).

Após a conclusão de todos os protocolos de tratamento, os indivíduos selecionaram os tratamentos de sua preferência, incluindo o “tratamento controle” (repouso).

Resultados: A maioria dos indivíduos (48%) relataram preferir tratamento com termoterapia por adição de calor. 94% da amostra preferiram a termoterapia pelo sistema de circulação de água em comparação com a termoterapia através de uma almofada elétrica.

Independente da preferência houve melhora significante da dor (redução), dos sintomas, atividades funcionais básicas e qualidade de vida com os tratamento de termoterapia por adição de calor, crioterapia e contraste (sistema de circulação de água) comparado com o grupo controle (repouso) (p<0,05).

E…“a extensão da melhora na dor e nos sintomas foi frequentemente mais pronunciada quando os indivíduos utilizaram seu tratamento preferido versus seu tratamento não preferido”.

Esse estudo nos fornece um forte evidência da eficácia da termoterapia por adição de calor, da crioterapia e do contraste no tratamento de idosos com osteoartrose, porém não se resume a isso, pois nos fornece informações relevantes que suportam incluir as preferências do paciente como determinante na tomada de decisão clínica. Negar a preferência terapêutica desses pacientes seria minimizar o efeito terapêutico da termoterapia.

Voltando aos questionamentos iniciais: “será que a FBE é só uma enciclopédia de ensaios clínicos e revisões sistemáticas com metanálise para servir de referência para escolher um tratamento? E onde entra “o protagonismo do paciente no processo”? Podemos responder que a FBE não é só um enciclopédia de ensaios clínicos e metanálises, mas contempla também um modelo transdisciplinar, em que o paciente participa ativamente no processo terapêutico, e a competência dos profissionais (expertise).

Assim, a FBE utiliza da melhor evidência científica disponível para tomar decisões clínicas, porém é indispensável na FBE considerar as circunstâncias e desejos dos pacientes e a experiência e competência profissional do clínico (4).

Quer saber qual o melhor tratamento: pergunte ao seu paciente, pois ele pode trazer informações relevantes para a tomada de decisões clínicas!

 

  1. Atallah AN. A incerteza, a ciência e a evidência. Diagn Tratamento. 2004;9:27-8.
  2. Almeida Filho N. Transdisciplinaridade e Saúde Coletiva. Ciência & Saúde Coletiva. 1997;2(1-2): 5-20.
  3. Denegar CR, Dougherty DR, Friedman JE, et al. Preferences for heat, cold, or contrast in patients with knee osteoarthritis affect treatment response. Clinical Interventions in Aging. 2010;5:199-206.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2920200/pdf/cia-5-199.pdf

  1. El Dib RP. Como praticar a medicina baseada em evidências. Jornal Vascular Brasileiro.2007;6(1);1-4.

Texto: Dr. Marcelo Reina.

 

Banner_Cursos_Fisioterapeuta

 

 

 

 

 

 

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *