O Bebê que Piscou pra Mim!

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Um dia nasceu um bebê.  Um menino. Mas as coisas não deram muito certo para ele ao sair da barriga da mãe. Ele não conseguia respirar o suficiente para estar tranquilo e contemplativo como os bebês costumam ser quando está tudo bem com eles.
Começa então a correria na sala de parto e logo o bebê estava respirando com a ajuda de aparelhos. Com um tubo na traqueia e medicamentos para a sedação, iniciam-se as muitas manipulações e exames para descobrir o que é que o bebê tem.

Por que não pode respirar?

O bebê logo mostra uma preferência em ficar com a cabeça voltada para a esquerda e os profissionais que lidam com ele não conseguem centralizar sua cabecinha ou virá-la para o lado direito. A cada tentativa, o bebê se desespera, arqueia seu corpinho frágil e cansado para trás, tentando desesperadamente dizer o quanto se sente mal. O desespero do bebê se repete a cada procedimento que envolve mover o seu corpo: troca de fraldas, troca da roupinha de cama, passagem de sonda, punções e tudo o mais. Ele segue cansado, muito cansado; irritado com as luzes, com o barulho e com as dores que sente em seu pequeno e frágil corpinho.

Uma semana de vida e ainda não sabem. Afinal, o que há com o bebê? Por que não consegue respirar sozinho? O bebê não ganha peso… Passa-se uma semana e depois outra e então, decidem que o bebê precisa ir para outro hospital, onde há médicos mais experientes para fazer o diagnóstico. Bela decisão! Logo descobrem que o bebê tem um tumor benigno no pulmão esquerdo.

Ufa!Mas o bebê está tão magrinho, seus pulmões pioraram tanto que é preciso esperar quase um mês para fazer a cirurgia necessária.
Passado o tempo, bebê engorda um pouquinho, os pulmões melhoram, mesmo que ainda ventilados artificialmente.

Apenas uma coisa não muda: sua cabecinha está cada vez mais virada para a esquerda e seu corpo já é um arco torcido e curvado para trás. Ele sobrevive em uma posição terrível e se torna o pesadelo da UTI porque ninguém sabe como aliviar seu sofrimento.

Chega o dia da cirurgia. O cirurgião é preciso e um maestro ao remover o tumor que impede a expansão do pulmão esquerdo. O bebê retorna para a UTI Neonatal e ali continua sua luta para respirar.

Seu stress é enorme e o corpo retorcido e arqueado não consegue encontrar o equilíbrio muscular, equilíbrio postural, equilíbrio sensorial e o equilíbrio emocional necessários para fazer o ar entrar nos pulmões com a facilidade característica da respiração. Uma função de mínimo esforço! E para o bebê, respirar é um enorme esforço…

Um dia depois da cirurgia eu estava naquele hospital, justamente com o objetivo de ensinar aos fisioterapeutas o Método Reequilíbrio Tóracoabdominal (RTA) em bebês e crianças hospitalizados.

Pediram-me para atender aquele bebê. Cheguei diante da incubadora e logo vi seu sofrimento e sua angústia. Sabia que não seria fácil, mas a minha crença de conseguir ajudá-lo era enorme. Uma crença que carrego comigo sempre que atendo qualquer pessoa. E essa crença ficou mais e mais forte  em minha vida de acordo com o conhecimento,com  a experiência e com o desejo de êxito que fui acumulando.

Minha primeira e cuidadosa abordagem foi delicada. Ele estava desconfiado do toque e eu teria que conseguir chegar ao ponto específico que não causaria mais stress. O ponto do menor esforço.  Depois de algum tempo e muita técnica, ele cedeu um pouquinho. Ele me deu acesso e a partir dali era minha a enorme responsabilidade de saber o que fazer. Fui lentamente ajustando seu corpinho.

Pela pelve, pelos quadris, pelo abdômen e depois tórax. Meu objetivo principal era chegar à cabeça e ao pescoço, mas sabia que esta era a região onde estava seu maior sofrimento. Durante todo o tempo em que ficou olhando somente para o lado esquerdo e com o corpo cada vez mais rígido, não pode ver quase nada do que se passava ao redor e cada vez que alguém se aproximava e lidava com ele, o seu registro era de dor e desconforto.

Agora, com o bebê um pouco mais calmo, era hora de tocar a cabeça e o pescoço. Comecei leve como uma pluma, aplicando com minhas mão as combinações de movimento que resultariam em uma biomecânica que o levaria ao conforto e a fluidez. Ele foi cedendo aos poucos. Pedi ajuda a uma Fisioterapeuta para colocar rolinhos de gaze progressivamente mais grossos em sua face esquerda, como apoio, para não perder a mobilidade alcançada. E sim, conseguimos!

O bebê estava com a cabeça centralizada e com muito menos sinais de esforço para respirar. Era hora de parar, deixá-lo com aquela sensação de alívio, curtindo a novidade de um novo olhar ao redor.  Hora também de orientar os outros profissionais da UTI quanto ao posicionamento e a melhor forma de manusear aquele bebê. Fui para casa aliviada. Eu tinha feito a minha mágica!

No dia seguinte, com grande alegria encontrei o bebê respirando espontaneamente. Ele não precisava mais da ajuda do respirador. Seu corpo passou a funcionar. Parecia outro bebê! Deixou-me logo tocar seu corpo, porque já nos conhecíamos de um situação muito difícil. Tínhamos ficado íntimos…

E quanto melhor ele respirava, quanto mais relaxado ficava, mais buscava o meu olhar que estava sempre com ele. Foi assim que, ao poder contemplar, mostrando aquele olhar doce e ao mesmo tempo perdido, característico de quem sente o amor através do cuidado que ele piscou pra mim.

Três vezes. Lentamente.

Ele estava me dizendo algo e eu compreendi!

 

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